sábado, fevereiro 23, 2013

O tesouro escondido



 
Certa vez, numa pequena cidade, morava um homem que trabalhou a vida inteira para amontoar riquezas. Assim procedia, afirmava ele, para deixar os filhos amparados após sua morte e sem necessidade de trabalhar para garantir o próprio sustento. 
Para isso, não mediu esforços. Vivia de forma muito simples, onde faltava, não raro, até o necessário, no afã de economizar cada vez mais. 
A família não tinha qualquer conforto. A esposa
trabalhava duro o dia inteiro e, às vezes, sentindo-se cansada pedia: 
— Manoel, sinto-me doente, enfraquecida, tenho dores pelo corpo todo. Poderíamos arrumar alguém que me ajudasse no serviço doméstico? 
— De jeito nenhum, Alzira. Essas empregadas cobram uma fortuna! Não podemos dispor desse dinheiro. 
De outras vezes era a filha que, necessitando
comprar roupas ou calçados, atrevia-se a pedir dinheiro ao pai. Manoel retrucava colérico: 
— Você pensa que dinheiro nasce em árvores? Não posso pagar os seus luxos. 
E a filha afastava-se, tristonha e desanimada, sonhando com o dia em que pudesse sair de casa para ter uma vida melhor. 
Ou então era o filho que precisava comprar material escolar, e encontrava o pai irredutível: 
— No começo do ano já comprei tudo o que você precisava. Não gastarei mais um centavo sequer! 
E o filho, revoltado, saía remoendo sua decepção. 
E assim ele agia com todos. Os pedintes que vinham bater-lhe à porta suplicando um prato de comida, Manoel expulsava sem piedade. 
Quando os responsáveis por alguma instituição beneficente se atreviam a pedir-lhe ajuda para seus serviços de caridade junto aos mais necessitados, Manoel relatava uma série de dificuldades com a família, gastos excessivos, contas inesperadas, e concluía: 
— Infelizmente, não posso ajudar! 
O tempo passou. Manoel conseguiu juntar uma imensa fortuna que guardava sempre, avaramente. Como não confiasse em ninguém, nem mesmo numa agência bancária, escondeu tudo o que juntara dentro do seu velho colchão. Queria ter seu tesouro sempre perto de si, sob suas vistas.        
 
A esposa reclamava de dores nas costas, sugerindo que trocassem pelo menos o colchão, velho e remendado, já sem condições de uso. Manoel, raivoso, de dedo em riste ordenava: 
— Jamais! Não mexa no “meu” colchão. Gosto dele do jeito que está! 
O filho, não suportando mais tanta miséria, saiu de casa indo morar com um amigo e se desencaminhou, tornando-se um alcoólatra. A filha casou-se com o primeiro homem que surgiu em sua vida, para poder se livrar da situação de pobreza, e não era feliz. Apenas Alzira continuava com o marido, visto não ter a quem recorrer ou para onde ir. 
Certo dia, Manoel sentiu-se mal. Socorrido, foi levado para o hospital, onde veio a desencarnar.  
Alguns dias depois, Alzira e os filhos reuniram-se para resolver o que fazer com os pertences do falecido Manoel. 
A primeira coisa que decidiram foi colocar fogo no colchão que ele tanto prezava. Os filhos levaram-no para o quintal, estranhando o peso, mas jamais poderiam imaginar que ali estivesse depositado um imenso tesouro. 
E Manoel, do outro lado da vida, desesperado, não pôde impedi-los. Sob terrível aflição, viu as chamas consumirem o esforço de toda uma vida. 
Só então Manoel lembrou-se das palavras de Jesus: “Não acumuleis tesouros na Terra, onde a ferrugem e os vermes os comem e onde os ladrões os desenterram e roubam; acumulai tesouros no céu, onde nem a ferrugem, nem os vermes os consomem...” 
O tesouro dele não havia sido roubado por ladrões, ou consumido pela ferrugem ou pelos vermes, mas devorado pelas chamas. 
O pobre homem percebeu que tinha perdido grande parte da existência acumulando bens materiais que nem a ele mesmo serviram. Vivera de forma miserável, privara-se de conforto, de bem-estar e esgotara-se no trabalho. E, o que era pior, com seu comportamento, perdera o amor da família.  
Quanto aos tesouros do céu, que são imperecíveis, ele não se preocupara em ajuntar. Com tristeza percebia agora quanto poderia ter feito pelos filhos, dando-lhes uma vida confortável, facilitando-lhes a educação e preparando-os para serem cidadãos dignos, trabalhadores e úteis à sociedade. 
Manoel, pela primeira vez, lembrou-se de orar a Deus. E, profundamente arrependido, suplicou ao Senhor lhe concedesse nova oportunidade de voltar a Terra, num novo corpo, para reparar os danos que havia cometido.                                     

                                                     Leon Tolstoi 

Célia X. de Camargo

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