sábado, junho 15, 2013
A gaveta da identidade
Hoje, pela manhã, exatamente como um raio de sol, você entrou em meu quarto. Seu olá teve o som de uma sinfonia imortal para os meus ouvidos.
Esperei que você se aproximasse de mim, porque minhas pernas já não são tão firmes e tenho dificuldades para me manter em pé.
Você ficou à distância. Reclamou do cheiro de mofo e abriu amplamente a janela. Fiquei feliz porque sempre dependo de que alguém chegue e faça isso por mim.
Amo os dias de sol. Eles me recordam os dias felizes em que a memória não me traía tanto e eu podia me sentir útil, realizando pequenas tarefas no lar.
Com a voz fraca, tentei conversar. Mas acho que você deve estar com muitos problemas, porque traz a face enrugada e parece muito contrariado. Suas respostas foram curtas e secas e resolvi me calar, respeitando as suas preocupações.
Foi aí que você abriu a minha gaveta, aquela pequena da minha cômoda. Quanto lixo!, foi o que você disse.
Meu coração começou a saltar. Você estava mexendo no meu tesouro. Alegrei-me porque agora, pensei, poderia lhe falar do significado de cada uma daquelas pequenas joias.
A foto amarelada de seu avô e eu. Foi tirada durante nossa lua de mel. É em preto e branco. Mas eu recordo que o cravo na lapela do seu avô era vermelho e o meu vestido era estampado com flores miúdas coloridas.
Mas, o que você está fazendo? Não revire deste jeito as coisas da gaveta. Você poderá amassar a fita azul que eu usava nos meus longos cabelos. Ou então o papel de bombom que está aí. São tantas preciosidades.
Não, não é lixo! É minha vida. Não jogue fora.
Como não tenho com quem trocar ideias, nem quem me ajude a relembrar os dias vividos, que teimam em escapar da memória, sirvo-me dessas coisas antigas para avivar as recordações.
Elas são o diário da minha vida. A flor seca me foi dada por sua mãe, em criança, num feliz dia do meu aniversário. Ela perdeu o viço, o perfume mas encerra lembranças dos dias venturosos em que aguardava as crianças virem da escola, esperava meu eterno noivo retornar da fábrica.
Você estabelece o horário para eu comer, dormir, acordar. Não posso ter vontades, nem desejos atendidos.
Os meus sonhos, as minhas melhores realizações estão encerradas nesta gaveta. Os objetos que guardo me ajudam a lembrar que eu existo.
Não jogue fora minha identidade. Ela é feita de todas essas pequenas coisas que você chama de lixo e eu chamo Meu tesouro.
* * *
Aprendamos a ver nos olhos da criança a mensagem da esperança e nos cabelos brancos a lição da experiência.
Não nos esqueçamos que os que hoje vivem a velhice, foram homens e mulheres que deram o seu valioso contributo ao Mundo.
Foram eles que nos geraram, permitindo-nos a vida na Terra. Foram eles que nos educaram. Foram eles que prepararam as bases para que pudéssemos desfrutar na atualidade esse mundo de conforto, de tantas e proveitosas oportunidades.
Tratemos muito bem os nossos idosos, hoje, enquanto estão conosco. Amanhã, poderá ser tarde demais.
Redação do Momento Espírita.
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